OPINIÃO: Breves lembranças do “Paz e Sossego”




Breves lembranças do “Paz e Sossego”

 

            Entrava-se no “Paz e Sossego” para saciar o desejo…

Situada na Rua dos Canos Verdes, em Angra do Heroísmo, “Paz e Sossego” foi a mais castiça casa-de-meninas da ilha Terceira, sendo rota de aventuras e porto de abrigo de uma clientela variada: senhores respeitáveis, comerciantes, funcionários públicos, magalas do Castelo, operários, pescadores, caixeiros-viajantes e até americanos da Base das Lajes. Várias gerações de jovens virgens passaram por lá e foi ali que perderam o cabaço

“Paz e Sossego” era um convite à erótica reverência, aos desejos libidinosos e às promessas de gozo carnal... E, diga-se em abono da verdade, nem sempre houve paz naquele sossego… Que o diga a vizinhança e que o diga, se acaso ainda é vivo, algum dos polícias que ali eram chamados para pôr cobro a cinematográficas cenas de pancadaria em dias em que a soldadesca recebia o pré…

            Nas lânguidas noites de lua cheia, os rapazolas espreitavam, enlevados e com palpitações ansiosas, à porta do “Paz e Sossego” – para ver as “mulheres da vida”, que davam lascivas beijocas nas nucas de homens sem rosto. Elas, olhares langorosos, ombros nus e braços roliços, desabotoavam as camisinhas de rendas, ostentavam peitos fartos e arquejantes, eriçavam as mangas das blusas e ofereciam os braços a clientes deleitados…. Estes, repoltreados nas velhas cadeiras, fumavam “Santa Justa”, e bebiam cerveja. As concubinas fumavam placidamente e bebericavam copinhos de anis, passeando-se, lânguidas e vaporosas, de mesa em mesa. Pairava ali uma atmosfera de intimidade entre o fumo, risadas sonoras e conversas intermináveis…



Ninho de tantas alegrias, lugar de descobertas, encantos e desencantos, “Paz e Sossego” rimava com noites de copos, emanações de perfumes (elas), exalações de suor (eles) e, sobretudo, entretenimento. Ali se aprendia a arte de sedução. À luz mortiça, escutavam-se conversas de homens enlanguescidos, solicitações de ternura e gemidos de volúpia: “Mostra lá, não te armes em fina…”; “Faz-me lá a vontadinha”…; “Vá lá, filha, tu sabes que tem de ser”; “Ai coisinha mais fofa”; “Consolozinho da minha alma”…

Elas, encenando volúpia, faziam boquinha, afectavam intimidades expansivas, respondiam aos clientes com contactos lascivos de joelhos e mãos, davam risadinhas, trocavam segredinhos e amabilidades com beijinhos chilreados e vagas carícias… Eles, feições avinhadas e barriguinhas salientes, examinavam, lúbricos e excitados de desejo, os decotes triunfantes, as pernas e os quadris das mulheres e davam-lhes palmadinhas ternas nos rabiosques a que elas correspondiam, compassivas, com inesperados gritinhos...

 Foi pelos anos sessenta que um decreto do velho Estado Novo mandou fechar, de forma inglória, a porta do “Paz e Sossego”. Mágoas tamanhas e foi o lockout da mais velha profissão do mundo. Com o tempo, outros lupanares abriram portas e outras concupiscências foram partilhadas...

Mas o propósito desta crónica é homenagear a memória das mulheres do “Paz e Sossego”, essas operárias do prazer que tanta e tão honesta consolação proporcionaram à carne e ao espírito de muitos terceirenses e de outros açorianos…

 

                                                                                                    Victor Rui Dores

 

            P. S.  A foto dá conta de “Paz e Sossego” após o sismo de 1980.


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