OPINIÃO: VICTOR RUI DORES | Melting-pot e miscigenação

 




Melting-pot e miscigenação

 

         Como defensor que me prezo ser do multiculturalismo, não me é indiferente o melting-pot, metáfora que dá conta da fusão de nacionalidades, culturas e etnias, sobretudo nos Estados Unidos da América.

Isto significa que uma sociedade heterogénea pode tornar-se mais homogénea quando os seus diferentes elementos “derretem” juntos (do inglês melt) num todo harmonioso, com uma cultura comum; ou vice-versa, quando uma sociedade homogénea se torna heterogénea através do afluxo de componentes estranhos com diferentes origens culturais e com um potencial de criação de desarmonia com a cultura anterior.

Melting-pot (ou tossed salad, segundo versão mais recente) é, por conseguinte, um cadinho, um mosaico, um caleidoscópio de mistura e assimilação de diferentes culturas. E, a propósito, os candidatos à presidência dos EUA são bem o exemplo desse caldeirão cultural. Se não vejamos: Kamala Harris, casada com um judeu, é filha de mãe nascida na Índia e de pai jamaicano; Tim Walz, candidato a vice-presidente pelos democratas, é filho de mãe de origem francesa e de pai com raízes irlandesas; Trump é casado com uma eslovena e escolheu um candidato a vice-presidente, J. D. Vance, que é católico, mas casado com uma filha de imigrantes indianos e praticante do hinduísmo.

Um povo fica a ganhar enquanto resultado da miscigenação, esse cruzamento de pessoas, essa mistura de diferentes etnias e diferentes crenças religiosas que vão originar um terceiro elemento.

No que diz respeito a Portugal, toda a nossa História é marcada pela miscigenação: desde a expansão marítima ao longo de África e para a América do Sul e também para a Índia. Colonialismo ou epopeia? A verdade é que, para o bem ou para o mal, soubemos criar uma cultura mulata, sobretudo no Brasil.



Obviamente que Portugal não está isento de culpas. Refira-se a usurpação territorial à custa da escravização, nós que, durante séculos, fomos um grande império que só seria desmantelado com o 25 de Abril de 1974. Não podemos é viver em estado de negação histórica: o nosso país foi o que mais traficou pessoas de África para as Américas. Fomos colonialistas, exercemos violência e opressão, mas, curiosamente, Portugal foi pioneiro na abolição da escravatura a nível europeu e mundial (1761).

Há, por outro lado, este dado inapelável: a lusofonia. País de marinheiros, Portugal soube outrora levar a sua língua às cinco partidas do mundo, chegando o português a ser a língua franca nos mares do sudoeste asiático até ao dealbar do século XIX. E hoje os números falam por si: com cerca de 250 milhões de falantes, o português é a 5ª língua mais falada em todo o mundo, sendo o idioma oficial de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Além disso, a língua de Camões é, neste momento, a 3ª língua europeia mais falada no mundo e a 3ª com mais utilização na maior rede do ciberespaço e poderá ser, num futuro próximo, um idioma de comunicação internacional. Por conseguinte, há que apostar na lusofonia como potencial de riqueza e de desenvolvimento económico.

Deixemo-nos de preconceitos e habituemos os nossos ouvidos à prosódia brasileira e africana. É que a língua portuguesa não é pertença exclusiva dos portugueses.  Por isso, honremos este valiosíssimo património linguístico. Somos um povo multirracial e multiétnico. Miscigenemos, pois.

 

Victor Rui Dores










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