Dos cretinos digitais
Do neurocientista francês Michel
Desmurget, acabo de ler o livro Fábrica de cretinos digitais – os perigos
dos ecrãs para os nossos filhos (Contraponto Editores, 2021) e retenho,
para já, esta afirmação: “Os nativos digitais são os primeiros filhos a terem
um Quociente de Inteligência inferior ao dos pais”. Após milhares de anos de
evolução, o ser humano está agora a regredir em termos cognitivos e de
capacidades intelectuais – por culpa da exposição excessiva a ecrãs.
O referido autor sabe do que fala,
pois que a sua atividade científica incide sobretudo nos efeitos que a
televisão e a exposição aos ecrãs de todo o tipo produzem na nossa saúde e no
nosso desenvolvimento cognitivo, em especial na infância e adolescência. Todos
sabemos que o tempo que as novas gerações passam a interagir com smartphones,
tablets, computadores e televisão é elevadíssimo. Mas os números que nos
são apresentados no mencionado livro são inquietantes: uma criança de 3 anos
está cerca de três horas diárias em frente a um ecrã; aos 8 anos, está cinco
horas; na adolescência, sete. Entre a infância e os 18 anos, os miúdos de hoje
passam o equivalente a 32 anos letivos em frente do ecrã.
Numa altura em que o governo português continua a apostar numa apressada digitalização da educação, tenho cá as minhas dúvidas e as minhas desconfianças. Entendamo-nos: o problema não está no reforço que as escolas recebem em materiais informáticos e que são absolutamente indispensáveis no século XXI; o problema está em fazer do digital o principal recurso de ensino, com a digitalização dos manuais escolares e dos testes de avaliação (prevê-se que em 2025 todas as provas e exames nacionais sejam realizados em suporte digital), o que inevitavelmente leva que os mais jovens passem a estar ainda mais horas em frente dos ecrãs do que aquelas que já passam fora da escola.
Segundo Michel Desmurget, está longe
de estar provado que uma desmaterialização integral dos recursos educativos
traga vantagens inequívocas para as crianças ao longo prazo, sendo que muitos
estudos (por ele abundantemente citados) dizem precisamente o contrário: “Um
cérebro digital tende a ser mais disperso e impaciente e, por isso, tem mais
dificuldade em acionar os circuitos de leitura profunda, que são fundamentais
para a inferência, análise crítica e reflexão. As competências linguísticas e a
capacidade de concentração estão a diminuir. Sim estamos, como espécie, a ficar
mais estúpidos”. E tudo isto numa altura em que se discute os perigos da
Inteligência Artificial que vem substituir funções até agora exclusivas dos
humanos. O “ChatGPT” está aí a dar brado…
Neste mundo digital, as escolas têm
de apostar naquilo que nos distingue verdadeiramente das máquinas. O ensino
escolástico já deu o que tinha a dar. Importante agora é estimular a interação
humana, a afetividade, a experiência. A tarefa principal não pode ser debitar
informação – essa está nos motores de busca e à mão de semear. O que é
fundamental é que as escolas ajudem na formação de cidadãos e estimulem o
pensamento crítico. Tudo coisas que o ensino feito através do ecrã não oferece.
É que, bem vistas as coisas, há mais
vida para além dos algoritmos.
Victor Rui Dores
P. S. – Voltamos a ter grande falta de professores nas nossas
escolas. E, como se isto não bastasse, temos, em Portugal, a classe docente
mais envelhecida dos 27 países da União Europeia.


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