OPINIÃO: VICTOR RUI DORES | Muitos autores e poucos escritores

 







Muitos autores e poucos escritores

            Faço, em Lisboa, uma ronda pelas livrarias e chego à conclusão de que vivemos numa época em que temos muitos autores e poucos escritores…

            Continuam na moda os escribas que escrevem para o mercado, cujos livros denotam muito diálogo, muitas peripécias e infindáveis frivolidades sentimentais e (tele)novelescas… É que o comércio livresco português está hoje pejado de literatura light e atulhado de publicações de autoajuda, diários, gastronomias, (foto)biografias para todos os géneros e feitios e de muitas outras excitações editoriais…

            Oscar Wilde dividia os livros em três grandes categorias: “os que se devem ler, os que se devem reler e os que de todo se não devem ler”. Nesta última categoria, e fazendo uma transposição para os nossos dias, eu incluiria aqueles autores que mais vi representados nos escaparates: Margarida Rebelo Pinto, José Rodrigues dos Santos (autor de vários trambolhos), Maria João Lopo de Carvalho, Patrícia Reis, Gustavo Santos, Rodrigues Guedes de Carvalho, Júlio Magalhães, Júlia Pinheiro e todos os restantes pivots televisivos…

            Ocorrem-me, a propósito, alguns exemplos de escritores que viveram as glórias de um presente literário, mas que foram absolutamente esquecidos no futuro: Pinheiro Chagas (1842-1895), Gomes Leal (1848-1921), Manuel da Silva Gaio (1860-1934), Afonso Lopes Vieira (1876-1946), Carlos Malheiro Dias (1875-1941), Júlio Dantas (1876- 1962), Joaquim Paço d´ Arcos (1908- 1979), Odette de Saint-Maurice (1918-1993), entre muitos outros.





            Pergunto: alguém hoje sabe quem é Reis Ventura (1910-1988)? Pois foi um consagrado plumitivo que, num concurso literário promovido em 1934 pelo Secretariado de Propaganda Nacional, concorrendo com o pseudónimo de Vasco Reis, apresentou um livro execrável intitulado A Romaria, o qual viria a relegar para a categoria B a Mensagem, de Fernando Pessoa. (Ao que parece a Mensagem não chegava às 100 páginas regulamentares, ao contrário do livro de Vasco Reis). Volto a perguntar: quem fala hoje de Vasco Reis?

            Por conseguinte, que se cuidem aqueles escribas da nova geração que gozam atualmente da maior cobertura mediática: José Luís Peixoto, José Riço Direitinho, Valter Hugo Mãe, Gonçalo M. Tavares, Jacinto Lucas Pires, João Tordo e quejandos. O tempo dirá se daqui a algumas décadas alguém se lembrará deles… É que sempre desconfiei das modas literárias. Atualmente o indizível, o inexprimível, a inação, a escrita despojada, árida e minimalista é o que está a dar. Que o diga António Lobo Antunes, o tal que levou uma vida inteira a escrever o mesmo livro e para quem, em literatura, a história não interessa, o que interessa são as palavras… A moda pegou, e é ver como uma horda de escribas pensam como António Lobo Antunes e escrevem como António Lobo Antunes, enchendo páginas e páginas de palavras gritadas, exasperadas, extenuadas, vazias, escrevendo muito para não dizer nada…

            Alguém que diga a essa gente que não se pode pôr a linguagem à frente de tudo. Em literatura é necessário saber construir uma história para depois a desconstruir. Tal como em música é preciso saber solfejo antes de tocar jazz. O mesmo na pintura: antes de se avançar para o abstrato é fundamental passar-se pelo figurativo (Picasso é um bom exemplo disso mesmo). Ora, considero que é este tipo de oficina, de traquejo e tarimba que está a faltar a muitos dos novos escritores.

            A literatura é uma forma de arte. Aprendamos com os clássicos (e cinjo-me ao universo português): de Camões a Almeida Garrett, passando pelo padre António Vieira e Antero de Quental; de Camilo Castelo Branco a Eça de Queiroz e ao genial Fernando Pessoa. Quem enriquece a nossa literatura são aqueles que assumem a escrita enquanto estética, são aqueles que, habitados pela originalidade e pela qualidade literária, escreveram obras que são de todos os tempos e de todos os lugares. Por isso são universais. O que torna perene a literatura é justamente a qualidade da escrita e a dimensão humana das personagens que povoam as (verdadeiras) obras de ficção. Tantos exemplos que engrandecem Portugal e a língua portuguesa: Aquilino Ribeiro, Raul Brandão, Ferreira de Castro, Alves Redol, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Soeiro Pereira Gomes, José Rodrigues Miguéis, Branquinho da Fonseca, Jorge de Sena, Vitorino Nemésio, Miguel Torga, Fernando Namora, Augusto Abelaira, Vergílio Ferreira, José Cardoso Pires, David Mourão Ferreira, Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, José Saramago, Urbano Tavares Rodrigues, entre outros. Dos vivos tenho uma (já publicada) lista de largas dezenas de nomes que não cabem obviamente neste espaço.

            Porque os maus livros abundam e os bons escasseiam, e estando eu farto de tanta pseudo-ficção, regressei aos clássicos. E é com eles que me sinto bem.

 

                           Victor Rui Dores







Comentários