Muitos autores e poucos escritores
Faço, em Lisboa, uma ronda pelas
livrarias e chego à conclusão de que vivemos numa época em que temos muitos
autores e poucos escritores…
Continuam na
moda os escribas que escrevem para o mercado, cujos livros denotam muito
diálogo, muitas peripécias e infindáveis frivolidades sentimentais e
(tele)novelescas… É que o comércio livresco português está hoje pejado de
literatura light e atulhado de
publicações de autoajuda, diários, gastronomias, (foto)biografias para todos os
géneros e feitios e de muitas outras excitações editoriais…
Oscar Wilde
dividia os livros em três grandes categorias: “os que se devem ler, os que se
devem reler e os que de todo se não devem ler”. Nesta última categoria, e fazendo
uma transposição para os nossos dias, eu incluiria aqueles autores que mais vi representados
nos escaparates: Margarida Rebelo Pinto, José Rodrigues dos Santos (autor de
vários trambolhos), Maria João Lopo de Carvalho, Patrícia Reis, Gustavo Santos,
Rodrigues Guedes de Carvalho, Júlio Magalhães, Júlia Pinheiro e todos os
restantes pivots televisivos…
Ocorrem-me,
a propósito, alguns exemplos de escritores que viveram as glórias de um
presente literário, mas que foram absolutamente esquecidos no futuro: Pinheiro
Chagas (1842-1895), Gomes Leal (1848-1921), Manuel da Silva Gaio (1860-1934),
Afonso Lopes Vieira (1876-1946), Carlos Malheiro Dias (1875-1941), Júlio Dantas
(1876- 1962), Joaquim Paço d´ Arcos (1908- 1979), Odette de Saint-Maurice
(1918-1993), entre muitos outros.
Por conseguinte,
que se cuidem aqueles escribas da nova geração que gozam atualmente da maior
cobertura mediática: José Luís Peixoto, José Riço Direitinho, Valter Hugo Mãe,
Gonçalo M. Tavares, Jacinto Lucas Pires, João Tordo e quejandos. O tempo dirá
se daqui a algumas décadas alguém se lembrará deles… É que sempre desconfiei
das modas literárias. Atualmente o indizível, o inexprimível, a inação, a
escrita despojada, árida e minimalista é o que está a dar. Que o diga António
Lobo Antunes, o tal que levou uma vida inteira a escrever o mesmo livro e para
quem, em literatura, a história não interessa, o que interessa são as palavras…
A moda pegou, e é ver como uma horda de escribas pensam como António Lobo
Antunes e escrevem como António Lobo Antunes, enchendo páginas e páginas de
palavras gritadas, exasperadas, extenuadas, vazias, escrevendo muito para não
dizer nada…
Alguém que
diga a essa gente que não se pode pôr a linguagem à frente de tudo. Em
literatura é necessário saber construir uma história para depois a desconstruir.
Tal como em música é preciso saber solfejo antes de tocar jazz. O mesmo na
pintura: antes de se avançar para o abstrato é fundamental passar-se pelo
figurativo (Picasso é um bom exemplo disso mesmo). Ora, considero que é este
tipo de oficina, de traquejo e tarimba que está a faltar a muitos dos novos
escritores.
A literatura
é uma forma de arte. Aprendamos com os clássicos (e cinjo-me ao universo português):
de Camões a Almeida Garrett, passando pelo padre António Vieira e Antero de
Quental; de Camilo Castelo Branco a Eça de Queiroz e ao genial Fernando Pessoa.
Quem enriquece a nossa literatura são aqueles que assumem a escrita enquanto
estética, são aqueles que, habitados pela originalidade e pela qualidade
literária, escreveram obras que são de todos os tempos e de todos os lugares. Por
isso são universais. O que torna perene a literatura é justamente a qualidade
da escrita e a dimensão humana das personagens que povoam as (verdadeiras)
obras de ficção. Tantos exemplos que engrandecem Portugal e a língua portuguesa:
Aquilino Ribeiro, Raul Brandão, Ferreira de Castro, Alves Redol, Manuel da
Fonseca, Carlos de Oliveira, Soeiro Pereira Gomes, José Rodrigues Miguéis, Branquinho
da Fonseca, Jorge de Sena, Vitorino Nemésio, Miguel Torga, Fernando Namora, Augusto
Abelaira, Vergílio Ferreira, José Cardoso Pires, David Mourão Ferreira, Sophia
de Mello Breyner, Natália Correia, José Saramago, Urbano Tavares Rodrigues, entre
outros. Dos vivos tenho uma (já publicada) lista de largas dezenas de nomes que
não cabem obviamente neste espaço.
Porque os
maus livros abundam e os bons escasseiam, e estando eu farto de tanta pseudo-ficção,
regressei aos clássicos. E é com eles que me sinto bem.
Victor Rui Dores


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