Do desprezo pela cultura
O desprezo pela cultura sempre foi um
problema para aqueles que não têm cultura suficiente para perceber o valor da
cultura.
“Quando oiço a palavra cultura, saco
do revólver”, disse um dia Hermann Göring, nazi da pior espécie.
Os ditadores (os de ontem e os de
hoje) sabem do perigo que a cultura pode representar; sabem, sobretudo, que um
cidadão informado e com acesso à diversidade de opinião é mais difícil de
controlar pelo pensamento único. Manter a população o mais possível ignorante
sempre foi a política dos déspotas. Daí a censura, a prisão, a repressão e a
opressão aos que ousaram saber da “cor da liberdade”.
Pascal identificou este problema em
relação à ignorância nos seguintes termos: “um coxo sabe que é coxo, mas um
ignorante, precisamente pela sua ignorância, não sabe que é ignorante”.
E é precisamente aqui que a cultura
pode fazer sacar das armas.
Por desprezarem a cultura, muitos
livros acabaram nas fogueiras inquisitoriais. Por falta de cultura foram
destruídos os Budas de Bamiyan e as ruínas de Palmira. E, pela mesma razão, os
russos invadiram a Ucrânia e Israel comete genocídio todos os dias.
Pior do que o desprezo
pela cultura, é a prática de certas políticas culturais. Delas sempre
desconfiei. Os estados autoritários e as ditaduras é que costumam ter uma
“política cultural”. As democracias felizmente não. Estaline tinha uma política
cultural e através dela mandou matar todos os seus inimigos... Hitler tinha uma
“política cultural” e ordenava aos artistas que exaltassem os méritos da
juventude hitleriana, os malefícios do judaísmo e a supremacia do
nacional-socialismo. Salazar também teve uma “política cultural” (via António
Ferro): a celebrada “política do espírito”, que deu no que deu... Da “revolução
cultural” chinesa é melhor nem falar...
É
assim nos regimes de força. Nas democracias, quem faz a cultura são os cidadãos
de sua livre iniciativa. A cultura de uma sociedade livre não é planificada nem
dirigida por gestores estatais, nem regionais: a cultura de uma sociedade livre
e saudavelmente democrática é aquela que fazem, livremente, os seus cidadãos.
Não
deve, pois, ser o governo a ter as ideias todas e será até muito conveniente
que não tenha sequer a maioria delas. Não deve ser ele, em suma, a ter aquela “política
cultural” que os ditadores acham essencial que se tenha. É óbvio que qualquer governo
deve apoiar a cultura, mas discretamente, sem dirigismos e sem paternalismos.
A cultura (que não deverá ser
confundida com animação) deverá ser entendida como fator de liberdade
individual e motor de desenvolvimento económico. Teimamos, porém, a fazer dela
uma atividade subsidiária.
Nesta matéria, aprendi a lição de
Emanuel Félix, meu maître à penser. O conceito (novo) de cultura
tem a ver com o que somos e com o modo de o ser, com a forma de estar no mundo,
com o sentido que trazemos da beleza e da justiça, com a maneira por que
exprimimos os nossos sentimentos de alegria ou tristeza, com o que comemos e
com o que vestimos, com os cuidados que prestamos ao nosso jardim ou à casa que
habitamos. Uma perspetiva de cultura que tem a ver também com a paisagem que
nos cerca, com os lugares que amamos ou que escolhemos para viver. Por
conseguinte, uma ideia de democracia cultural que pressupõe que todos somos
portadores de cultura, fazedores de cultura.
Infelizmente, os nossos valores
culturais continuam muito cristalizados no passado: o que é difícil não é
aderirmos a ideias novas, o que é difícil é libertarmo-nos das ideias velhas…
Victor
Rui Dores

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