Do mau feitio de Teófilo Braga
O micaelense Teófilo Braga
(1843-1924) foi tudo: professor, jornalista, filólogo, etnógrafo, crítico e
historiador literário, poeta e prosador, advogado, deputado, filósofo (foi o
introdutor do Positivismo em Portugal), investigador incansável, chefe do
primeiro governo republicano em Portugal e segundo presidente da República.
Numa altura em que se comemora o
centenário da sua morte, deu-me para reler o livro Homens e casos duma
geração (Porto, 1937), de Magalhães Basto, que nos apresenta uma faceta
menos conhecida da personalidade de Teófilo: um homem azedo, invejoso,
ressentido e irascível.
Na referida obra, são-nos descritas as acesas polémicas que ele travou com figuras da sua geração. Para já, com dois dos seus patrícios mais icónicos: o revolucionário Antero de Quental (que chega a apodar Teófilo de “um cano de esgoto moral”) e com o sereníssimo Manuel de Arriaga (com quem cortou relações). Estão na origem de todos estes atritos questiúnculas meramente pessoais, que Teófilo Braga não poucas vezes valorizava às discussões sociais, culturais ou políticas.
Mas as mais famosas polémicas foram aquelas que ele manteve com Alexandre Herculano, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão (que escreveu que não queria Teófilo “nem para lhe engraxar os sapatos”), Pinheiro Chagas, António Feliciano de Castilho, José Gomes Monteiro, Adolfo Coelho, Brito Rebelo, Anselmo Braamcamp Freire, Padre Manuel de Oliveira Chaves e Castro, Fernandes Costa, Ricardo Jorge, Sílvio Romero, Júlio Vilhena, entre outros.
Daqui só se poderá concluir que
Teófilo Braga, pensador reformista, tinha muito mau feitio...
Ninguém é perfeito. E há realmente
razões para esse mau feitio. A perda prematura de sua mãe (o pequeno Teófilo
viria a sofrer maus-tratos da madrasta), bastardias ancestrais e a luta com a
hostilidade dos ambientes estimularam-lhe a energia indomável e exacerbaram-lhe
o inconformismo religioso, social e político. Depois, por subir a pulso na
vida, ele foi sempre um incompreendido pelas elites. Professor durante 40 anos
no Instituto Superior de Letras de Lisboa, foi preterido nos concursos para
lente, sofrendo de igual desaire na Politécnica do Porto.
Como se isto não bastasse, a má sorte
bateu-lhe à porta: os seus três filhos morreram muito jovens (Camilo Castelo
Branco dedicou-lhe o soneto “A maior dor humana”) e, anos depois, enviuvou. Homem só e solitário, Teófilo viveu,
amargurado, grande parte da sua vida rodeado de livros, asfixiado por
ressentimentos, entregando-se a fecundas e furiosas escritas…
Victor Rui Dores


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