Chateaubriand e os frades da Graciosa
Na ilha Graciosa, ao fim da tarde de
12 de maio de 1791, o escritor francês Chateaubriand tomou forte
bebedeira acompanhado por frades do Convento de S. Francisco…
Aos 23 anos de idade, desiludido com a
Revolução Francesa, ele decidira embarcar para a América do Norte, a bordo do
“Sain Pierre” (um bergantim de 160 toneladas), mais por espírito de aventura do
que por necessidade económica ou política.
Ao desembarcar em Santa Cruz, o jovem Chateaubriand
fica desde logo impressionado com o Monte da Ajuda, «duas colinas ligeiramente
salientes nos seus contornos como as elipses de uma ânfora etrusca», como
deixará escrito, mais tarde, na sua obra Mémoires d´Outre Tombe (1849).
Segundo este
autor, teria sido a primeira vez que os graciosenses viram “o pavilhão
tricolor”, dando conta da viva impressão que um barco de tão grandes dimensões
provocou nos locais, não havendo memória de que algum outro «tivesse ousado
ancorar num porto tão perigoso».
O ilustre passageiro e o seu grupo
foram abordados por alguns frades locais que lhes falaram em português,
italiano, inglês e francês. Conduziram-nos a alguns lugares da Graciosa e
deram-lhes de comer. Chateabriand ficou visivelmente impressionado com a
paisagem, as colheitas de trigo, as pedras vulcânicas, as reentrâncias da baía,
os cabos, os promontórios… Mas o que mais lhe chamou a atenção foi o elevado
número de monges existentes na ilha. Escreverá, com ironia, no livro aludido:
«(…) sem exagero me parece que metade
da Graciosa era povoada de frades e que a outra metade lhe devia pertencer por
ternos laços».
Depois tece apreciações
surpreendentes sobre a vivência religiosa dos locais em que o mais assumido
formalismo convivia bem com o deboche de um suposto clérigo e as mesuras que a
população lhe dispensava…
«Eu quero acreditar que estes
comportamentos do clero espanhol e português não sejam generalizados; mas
sabemos que eles não são puros. Poderíamos predizer a queda da religião, se ao
mesmo tempo a população não estivesse tão degradada, tão supersticiosa, ao
ponto de dificilmente imaginar onde poderia encontrar energia suficiente para
escapar dos abusos que a atormentavam”, escreverá no final de Memóires
d´Outre Tombe.
Ressalta em toda a descrição, por um
lado, o atraso cultural e o isolamento em que vivia toda a população de uma
pequena ilha, e, por outro, a ameaça que
corrói por dentro a fé católica, onde o oportunismo e a dissimulação dos que se
diziam seus servidores se juntavam ao desgaste já causado pelo Iluminismo e os excessos
da Revolução, conforme refere José Luís Brandão da Luz, no seu artigo
“Impressões de Chateaubriand da ilha Graciosa”, no blogue “Azorean Torpor”, e
para o qual remeto o leitor pelas muitas informações nele contidas sobre o
escritor francês.
Lembro aqui três outros ilustres
visitantes que aportaram à Graciosa e nela deixaram a sua marca:
Em 1654 o padre jesuíta António
Vieira foi parar à Graciosa, depois do naufrágio em que regressava de
Lisboa vindo do Brasil. Na ilha permaneceu dois meses, durante os quais se
consagrou à escrita, tendo ali deixado a devoção do Terço do Rosário.
Em 1814, o jovem João Leitão, mais
tarde Almeida Garrett, com apenas 15 anos de idade,
escreveu, na Graciosa, os primeiros versos, já então reveladores do seu talento
de homem de letras. Segundo a tradição oral, o futuro escritor apaixonou-se por
uma donzela graciosense, de nome Lília, a quem escreveu várias odes, mais tarde
publicadas no livro Os primeiros versos
de Garrett (Porto, Livraria Magalhães e Moniz, 1902), de Mendo Bem, a
partir do manuscrito original que Garrett oferecera ao graciosense Francisco
Homem Ribeiro, intitulado Odes Anacreonticas compostas e offerecidas ao
senhor Francisco Homem Ribeiro po J.B.S.L. seu menor criado – Graciosa.
Em 1879, o príncipe Alberto de Mónaco – que se distinguiu pelos seus
trabalhos hidrográficos e estudos da vida marinha – aportou à Graciosa, no seu
iate “Hirondelle”, e visitou a Furna do
Enxofre – fenómeno vulcanológico raro e geologicamente único no mundo.
Victor Rui Dores
Lindas Historias , Foi pena o Convento e a Igreja ter Desaparecido
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