Do desenvolvimento turístico dos
Açores
Não sei por que estranha associação
de ideias, sempre que oiço falar de desenvolvimento turístico dos Açores penso
logo no Ti Pedro Cepo e em Mozart.
O Ti Pedro
Cepo, ancião da ilha do Corvo, deu em tempos uma entrevista a um jornalista
lisboeta que se deslocou propositadamente àquela ilha. Terminada a entrevista,
o Ti Pedro Cepo virou-se para o repórter e disse-lhe:
-O senhor
agora não vá para o seu jornal dizer mal da gente. Mas também não diga muito
bem, porque nós gostamos muito de estar aqui sossegados…
Não conheço
melhor aviso à navegação sobre os perigos de uma possível massificação
turística dos Açores.
Na ópera Don Giovanni, de Mozart, há uma
conhecida ária intitulada “Là ci darem la mano” em que Don Giovanni tenta
seduzir Zerlina, uma camponesa que está prestes a contrair matrimónio com
Masseto. Ela, resistindo, mas acabando por ceder aos avanços do nobre libertino,
vai cantando “vorrei et non vorrei” (quero e não quero) – revelando um conflito
interior entre o desejo e o dever.
Ora, queremos e não queremos turismo nos
Açores. Isto é, queremos um turismo sustentado e sustentável; não queremos um
turismo massificado porque não queremos viver (só) em função do turismo.
Entendamo-nos: os Açores são muito
mais do que o seu anticiclone e do que a sua importância geoestratégica.
Território avançado de Portugal, fronteira mais ocidental da Europa e charneira
entre esta e o mundo atlântico, estas ilhas são, hoje, um espaço de cultura
(s), de ciência e biodiversidade.
Nesta matéria, creio que não há verdadeiro turismo sem uma componente cultural. O turismo ou é um fenómeno cultural ou não é coisíssima nenhuma. E isto porque quem nos visita faz da viagem uma forma de procura e de descoberta – de outras terras, de outras gentes, de outras culturas. Ou seja, viajar não é só uma busca de aventura, sonho e felicidade. O turista não viaja só para se recrear – mas também para se instruir e procurar uma diferença.
E, em tempos de globalização, os Açores
marcam essa diferença porque são um destino de Natureza (e não de praia), de
tranquilidade e de segurança. E temos tudo para dar certo, até porque este
arquipélago constitui um dos mais ricos ecossistemas do mundo! Somos um dos
melhores locais do planeta para observação de baleias e golfinhos (whale watching)
e para volcano watching (rota de vulcões e grutas). E a nossa oferta é
de grande qualidade: centros interpretativos, levadas, trilhos pedestres,
subidas a montanhas, passeios de barco, mergulho, descoberta da fauna e flora, big
game fishing (pesca desportiva) e, obviamente, uma gastronomia, uma doçaria
e uma cultura sui generis.
A
sazonalidade é mais que certa e toca a todos. O que precisamos é de ser um
destino de valor acrescentado, e, dito isto, não vamos lá com voos low costs
de 20 euros… Também não podemos cair na tentação de nos querermos comparar
com a Madeira que tem um turismo de mais de 200 anos.
O que há a fazer é melhorar a nossa
oferta turística. A qualidade será sempre preferível à quantidade. Já que não
podemos ser maiores, temos de ser melhores. E, para sermos melhores, temos que
continuar a ser diferentes. E assumir essa diferença – alicerçada em sólidos valores
culturais.
Victor Rui Dores


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