OPINIÃO: VICTOR RUI DORES | Nos 50 anos da RTP/AÇORES

 



Nos 50 anos da RTP/AÇORES

 

         Lembro-me como se ontem fosse.

O dia 10 de agosto de 1975 calhou num domingo. Eu encontrava-me de férias na minha Graciosa ilha, e foi em casa de meu tio Avelino que assisti, maravilhado, à primeira emissão da RTP/AÇORES – em direto e em regime experimental. O primeiro rosto a surgir no écran foi o da locutora Ana Maria Cordeiro com a saudação de “senhores telespectadores”.

De seguida vimos Emanuel Carreiro e Paulo Martinho, na altura muito jovens – o primeiro muito barbudo, o segundo com uma enorme bigodaça. (As barbas e os bigodes tinham então qualquer coisa de revolucionário e estavam na moda).

Um pouco atordoado com as luzes de estúdio, o general Altino de Magalhães, então Governador Militar dos Açores, fez uma alocução defendendo os ideais de Abril e chamando a atenção para os malefícios do independentismo que então estava na ordem do dia: a FLA, Frente de Libertação dos Açores. O militar não tinha dúvidas: a RTP/AÇORES era “filha da revolução”!

Seguiu-se a “Tarde de Cinema”, com a apresentação do filme “General à força”, e às 18.30 horas, assistimos, pela primeiríssima vez, a uma entrevista em estúdio conduzida por Fialho Gouveia, vindo diretamente de Lisboa para apadrinhar o evento, tendo como convidados João Bruges da Cruz, então responsável pela programação, Ramiro Alves, engenheiro eletrotécnico responsável pela instalação do emissor principal, e a própria locutora Ana Maria Cordeiro.

Cinquenta anos depois quero aqui prestar uma justa homenagem aos primeiros correspondentes da RTP/AÇORES que, infelizmente, já partiram: Gustavo Moura, na ilha de São Miguel; João Afonso, na ilha Terceira; e, no Faial, Fernando Melo, pela mão de quem me tornei, a partir de 1986, modesto colaborador da televisão açoriana. Manifesto também o meu apreço e consideração por todos os profissionais e colaboradores que, no dia a dia, fazem da RTP/AÇORES uma presença constante nas nossas vidas.





Meio século decorrido, convirá questionar: que televisão queremos hoje para os Açores? Sem dúvida uma televisão que aposte na qualidade e na diferença, numa altura em que se assiste, em Portugal, a uma espécie de clonagem televisiva, ou seja, os programas tendem a ser todos iguais e decalcados uns dos outros. Queremos uma televisão que seja regional, mas não regionalista, digo, uma televisão local e de proximidade, mas que saiba projetar-se na diáspora açoriana e em espaços do universal. (Contrariamente ao que muitos pensam, o mundo não começa em Santa Maria e acaba no Corvo)…

Nesta ordem de ideias, é preciso não esquecer que, “filha da Revolução”, a RTP/AÇORES é inseparável e indissociável da Autonomia Político Administrativa dos Açores, havendo a obrigação constitucional de cumprimento de serviço público de rádio e televisão. Para isso, há que reconfigurar o sistema de financiamento com um novo modelo de gestão em que se saiba, perfeitamente, quem manda na RTP/AÇORES…

Acima de tudo, queremos uma televisão que mostre e dê a conhecer o povo que somos – um povo historicamente definido, com uma memória, um imaginário, uma cultura e uma identidade próprias. “Reserva de um Portugal requintado” (Vitorino Nemésio dixit), os Açores são hoje o último reduto da grande cultura portuguesa.

Quem isto melhor entendeu foi Lopes de Araújo, a quem se deve também uma palavra de homenagem. Foi ele que deu luz verde à produção e realização das celebradas séries televisivas “Xailes Negros”, “O Barco e o Sonho”, “Mau Tempo no Canal”, “Gente Feliz com Lágrimas”, entre outras. Foi ele o primeiro a perceber que, a par de uma informação isenta e credível, é fundamental a aposta na produção e na ficção de qualidade. E fê-lo num tempo em que os recursos humanos e técnicos não abundavam...

Três décadas depois, continuo a achar que só através de uma forte afirmação cultural é que a RTP/AÇORES poderá sobreviver. Por isso mesmo, peço, aos seus atuais responsáveis, os melhores ofícios tendo em conta uma nova aposta na ficção.  Para que a nossa televisão não seja esquecida nem se apague no mapa da globalização.

 

       Victor Rui Dores

 






Comentários