OPINIÃO: VICTOR RUI DORES | Uma escrita no feminino





Uma escrita no feminino

         Haverá uma escrita feminina por oposição a uma escrita masculina? Ou será a literatura misógina?

Nos finais dos anos 70 e inícios de 80 do século passado, assisti, na Faculdade de Letras de Lisboa, a muitas e desvairadas discussões sobre essa matéria. A mulher, enquanto escritora, não era então devidamente valorizada. Críticos delirantes e escritores falhados acusavam Agustina Bessa Luís de fazer crochet com a escrita… Natália Correia era barroca e gongórica… Maria Velho da Costa, Isabel Barreno e Lídia Jorge possuíam, segundo Eduardo Prado Coelho, uma “escrita assumidamente uterina” … A feminista Maria Teresa Horta bradava no deserto, acusando António Lobo Antunes de ter “uma escrita macha, marialva e grosseira”.

 Outros tempos. Hoje devo dizer que não tenho tempo nem pachorra para estéreis discussões académicas. Para mim é ponto assente que não há escritas masculinas nem escritas femininas – o que há são bons e maus escritores, boas e más escritas, boas e más histórias. No fundo, o que faz a grandeza da literatura é caberem nela todas as paixões do homem e da mulher.

Admito, no entanto, a existência de uma criatividade especificamente feminina – criatividade essa desde sempre esmagada, amordaçada, aniquilada dentro de cada mulher, ao longo dos séculos, por motivos vários e de diversas formas – sendo uma das piores o colonialismo cultural exercido pelo homem sobre a mulher, que as feministas tanto denunciam. Isto é, o homem desde sempre apresentado como sendo o pater familias, o patrão, o dono da criatividade e da cultura; o rei de uma selva onde ele dita(va) leis e normas, ordena(va), determina(va) o que tem valor, segundo os seus próprios critérios.

“As mulheres escrevem com o útero”? E que mal tem isso? O que é importante é que ela se exprima e se expresse enquanto mulher, e que na escrita encontre a sua expressão própria, a sua própria criatividade.




É disto que falo: criatividade como forma de encontro com as raízes femininas. Uma escrita da intimidade. Uma outra palavra. Uma outra atitude. Basta ler-se Chantal Chawaf ou Hélène Cixous, Marie Vaubour ou os escritos de ficção de Luce Irigaray; ou ainda alguns livros de Virginia Woolf, Anaïs Nin, Marie Cardinal, Simone de Beauvoir ou Susan Sontag para se entender o que aqui quero dizer.

E, nesta matéria, a literatura portuguesa está pejada de significativos exemplos: de Leonor de Almeida Portugal (marquesa da Alorna, século XVIII) a Florbela Espanca; de Fernanda de Castro a Irene Lisboa, passando pelas autoras acima nomeadas, e ainda Sophia de Mello Breyner, Maria Judite de Carvalho, Maria Ondina Braga, Teolinda Gersão, entre outras.

No contexto da literatura de expressão açoriana, tivemos outrora nomes como Alice Moderno, Otília Frayão e Luíza de Mesquita; nos tempos que correm há que estar atento à escrita no feminino de Ângela Almeida, Carolina Cordeiro, Gabriela Silva, Judite Jorge, Leonor Sampaio da Silva, Madalena Férin, Madalena San-Bento, Maria João Ruivo, Maria Luísa Soares, Paula de Sousa Lima, entre outras.

Viva a Literatura!

                                                                                                          Victor Rui Dores








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