OPINIÃO: VICTOR RUI DORES | Peter Café Sport em livro

 



Peter Café Sport em livro 

            

            Acabo de ler um livro que me forneceu horas de apetecível leitura: Há quem espere por nós assim (edição Peter Café Sport, 2025), da autoria do faialense José Henrique Gonçalves Azevedo (1960-    ), atual proprietário do Peter Café Sport.  O título da obra remete-nos para um dos versos da canção “Peter´s”, da ex-banda Trovante, datada de 1990, escrita por Luís Represas e musicada por João Gil precisamente para homenagear aquele espaço de todos os reencontros e onde se bebe o gin da amizade.

José Henrique Gonçalves Azevedo mantém, desde criança, uma relação fascinada com o mar, barcos e “aventureiros” e disso dá conta Há quem espere por nós assim.  Profusamente ilustrado com fotos e gravuras, o livro-álbum é todo ele uma homenagem que o autor presta à sua família e a todos os que deram vida ao Peter Café Sport ao longo dos 107 anos da sua existência – o que faz deste o café mais antigo de Portugal em termos de gestão familiar ininterrupta.

Através de histórias marinheiras ali vividas e contadas, numa prosa escorreita e fluida, o narrador apresenta-nos, na primeira pessoa e ao longo das 270 páginas da obra, memórias de viagens e de navegadores (ele que episodicamente também se aventurou em alto mar), acontecimentos, testemunhos e depoimentos, recorrendo, aqui e ali, a curiosidades para captar a atenção do leitor. Começa por lembrar o seu bisavô Ernesto Lourenço Azevedo (1859-1931), comerciante já instalado na praça faialense, que possuía um bazar de artesanato no Largo do Infante e que se dedicava ao comércio de produtos locais: bordados, rendas, chapéus e cestos de palha, flores de penas, trabalhos de crivo e muitos outros artigos do artesanato local. Foi com estes produtos que, em 1888, participou na Exposição Industrial de Lisboa, tendo obtido, pela sua qualidade e diversidade, a respetiva medalha de ouro e diploma.

            A mudança do século XX levou Ernesto Azevedo para a Rua Tenente Valadim, adquirindo um dos edifícios que hoje está incluído naquilo que é o “Peter”. Chamando-lhe “Azorean House”, mantendo o comércio de artesanato, mas passando também a vender bebidas, este novo estabelecimento permitia ao seu proprietário a enorme vantagem de estar mais próximo do porto e, por isso, de todo o movimento que ele gerava como único local de entrada e saída de bens e pessoas da ilha.

Já nessa altura, o estabelecimento apresentava uma característica fundamental: era um negócio familiar, ocupando o pai, Ernesto Azevedo, e o filho Henrique Lourenço Ávila Azevedo (1895-1975), que acabaria por ser o continuador da tradição familiar e o herdeiro da “Azorean House”.

Entretanto na Europa e no Mundo sucedem-se acontecimentos marcantes, nomeadamente as duas grandes guerras mundiais que direta e indiretamente atingem o Faial: aumenta significativamente o movimento do porto da Horta, numa altura em que já nesta ilha estavam instaladas as Companhias dos Cabos Telegráficos Submarinos.

Em 1918, já por sua conta, Henrique Azevedo transfere a “Azorean House” para o edifício vizinho do lado norte, mantém o mesmo ramo de negócio e, como era desportista, muda-lhe o nome para “Café Sport”; escolhe novo mobiliário e decoração com motivos náuticos (com destaque para a famosa águia americana como símbolo) e, por influência dos ingleses ligados às Companhias dos Cabos Telegráficos, aposta, com sucesso, na venda de gin tónico.



 E, dando um salto temporal, é altura de falar do pai de José Henrique – José Azevedo (1925-2005), figura incontornável. Menino e moço nos anos 30 do século passado, ele ajudava o pai no café, executando vários serviços, desde o transporte de munições para os navios, passando pelo trabalho na Cantina, que fornecia víveres aos barcos de passagem. Com o tempo, o miúdo foi melhorando o seu domínio da língua inglesa. Um inglês, oficial chefe dos serviços de munições e manutenção do navio Lusitania II, estacionado no porto da Horta, engraçou com José Azevedo, então com 18 anos de idade. Achando-o parecido com o filho que tinha ausente, passou a chamá-lo pelo nome dele, “Peter”, argumentando que assim pensaria ter o filho a seu lado. Dos ingleses para os portugueses, o nome “Peter” passou tão rápida como indelevelmente e de tal forma suplantou o nome de batismo de José Azevedo. Estava encontrada a marca registada daquele que viria a ser um dos mais carismáticos e emblemáticos cafés do mundo.

Sempre com o pai por perto, José Azevedo dedica-se a tempo inteiro ao café e reforça a prestação de serviços aos navios que aportam à Horta. A partir dos anos 60 surge um novo tipo de visitantes: os tripulantes das embarcações de recreio (“os aventureiros”). Para além do convívio e da tertúlia, o “Peter” torna-se agência de informações, posta-restante e espaço de câmbios. Por este café têm passado os skippers mais celebrados de todo o mundo, incluindo o cantor belga Jacques Brel, que ali cantou no dia 19 de Setembro de 1974. Hoje, a comunidade iatista internacional considera o “Peter” como um dos melhores bares do mundo para receber velejadores.

Com a morte de José Azevedo, o seu filho José Henrique Gonçalves Azevedo que, desde muito novo, vinha ajudando o pai, mantém a tradição familiar e toma as rédeas do café. Nas últimas décadas, ele alargou e expandiu a marca “Peter” para outras localidades, dando ao negócio um cunho moderno e empresarial. Foi em grande parte devido ao seu empenho que nasceu, em 1986, o Museu de Scrimshaw (que guarda valiosíssimo espólio de artefactos em dente e osso de baleia), bem como a Loja Peter, contígua ao Café, e a Base Peter Zee. E isto sem falar no Triatlo Peter Café Sport e no incremento que tem vindo a dar à observação de cetáceos. O que para ele, e para todos nós, continua a ser um mistério é a razão que terá levado Henrique Ávila Azevedo a inaugurar o Café Sport a 25 de dezembro de 1918, em pleno dia de Natal…    

Uma coisa é certa: o Peter Café Sport, que desde 2018 integra a Associação Europeia de Cafés Históricos, continua a ser sinónimo de acolhimento, repouso, hospitalidade e convívio. E, mais do que um café, é hoje uma instituição de renome internacional. Há quem espere por nós assim é a prova disso mesmo.

                                                                                                                            

    Victor Rui Dores










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