Um voo que tinha tudo para correr mal
A propósito da leitura que acabo de
fazer do livro Joe Ponciano, a um minuto da morte, “brace, brace, brace”
(Turiscon, 2024), da autoria de Liduíno Borba, venho aqui lembrar que há palavras
e há expressões da aeronáutica que, por indicarem rota de colisão com o mar ou
com o solo, ninguém quer ouvir: “Mayday, Mayday; Mayday”, “Brace, brace, brace
for impact”; ou “Pull up, pul up, terrain”, “Pull up, pull up, terrarin”…
Os Açores constituem um espaço de
crise em terra (sismos e vulcões), mas também no ar, sendo vários os desastres
aéreos verificados nestas ilhas ao longo dos anos. Recordemos alguns:
1. Na madrugada de 28 de outubro de 1949, o avião Constelation
F-Bazin da Air France, despenhou-se no Pico Redondo, Algarvia, Nordeste,
ilha de São Miguel, vitimando todos os 48 passageiros. Entre as vítimas estavam
figuras mundialmente conhecidas, como o campeão mundial de boxe Marcel Cerdan,
namorado da cantora Edith Piaf, a violinista Genette Neveu, o pintor francês
Boutet de Monvel e o norte-americano Kay Kamen, colaborador de Walt Disney.
2. No dia 3 de setembro de 1976, um avião C-130 das Fuerzas
Aereas Venezolanas despenhou-se no local do Lajedo, então freguesia das
Lajes, ilha Terceira, perecendo a totalidade das 68 pessoas que seguiam a
bordo, incluindo os 5 tripulantes. O avião transportava o Orfeon
Universitário da Universidade Central de Venezuela, que se deslocava a
Barcelona para participar num evento musical.
3. No dia 8 de fevereiro de 1989, numa Quarta-Feira de
Cinzas, a ilha de Santa Maria foi palco do maior desastre aéreo em Portugal
quando o Boeing 707 da companhia charter norte-americana Independent Air
embateu contra o Pico Alto, originando a morte de todos os passageiros e
tripulantes da aeronave, num total de 144 pessoas.
4. Dez
anos depois, no dia 11 de dezembro de 1999, o voo 530 da SATA Air Açores, no
percurso entre Ponta Delgada e Flores, com escala na Horta, colidiu com o Pico
da Esperança, na ilha de São Jorge, vitimando todos os passageiros e tripulação
num total de 35 pessoas.
Melhor sorte teve o Airbus A330-243 da Air
Transat que, no dia 24 de agosto de 2001, se viu obrigado a divergir para a
Terceira para uma aterragem de emergência nas Lajes.
Este voo tinha tudo para correr mal:
a meio da viagem, surge, no cockpit, um aviso num dos sistemas alertando
os pilotos para um problema técnico num dos motores. Passados alguns minutos
são de novo alertados para uma situação de desequilíbrio da quantidade de
combustível entre os dois grupos principais que alimentam os dois motores. Os
pilotos tentam compreender a razão para este misterioso desequilíbrio. Com as
indicações de combustível cada vez mais baixas, e sem explicação lógica, o
comandante decide divergir o voo para a Base Aérea das Lajes.
Subitamente os dois motores do avião
param por total falta de combustível. É uma situação dramática, a meio do
oceano o avião mergulha na noite escura em direção ao abismo. Dentro do cockpit
os pilotos lutam desesperadamente para trazerem o avião sob controlo. Na cabine
de passageiros o caos, o drama, o medo e o horror instalam-se definitivamente.
A amaragem é cada vez mais uma realidade. Há gritos, choros, rezas, ataques de pânico
e histerismo.
A cerca de 120 km da Terceira, e durante 15
minutos até conseguir aterrar na pista de forma milagrosa, aconteceu aquele que
é ainda hoje considerado o maior voo planado da história da aviação
(neste tipo de avião).
Estamos a falar de um Airbus com 200 toneladas que, sem motores a funcionar, esteve a planar durante 15 minutos, e conseguiu aterrar com todos os passageiros sãos e salvos. Para tal, pesaram 4 fatores decisivos; a competência e a perícia do comandante e do piloto; a boa comunicação estabelecida do controlador de tráfego aéreo de serviço nas Lajes com os pilotos; a circunstância de, em Toronto, o avião ter sido abastecido com 4,5 toneladas de combustível em excesso; e as boas condições meteorológicas verificadas na altura nas Lajes. E, já agora, convém também não descurar o fator sorte. Sorte que aqui deve ser entendida como o tremendo esforço que os pilotos fizeram para evitar o azar.
Victor Rui Dores


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