OPINIÃO: VICTOR RUI DORES | Fernando Pessoa na ilha Terceira




Fernando Pessoa na ilha Terceira

 

         Nunca será de mais lembrar que Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935), um dos maiores vultos da poesia universal, era filho de uma terceirense: Maria Madalena Pinheiro Nogueira (1861-1925), casada com Joaquim de Seabra Pessoa (1850-1893), natural de Lisboa.

Tendo enviuvado muito cedo, e numa altura em que Fernando Pessoa tinha apenas cinco anos de idade, Maria Madalena casou em segundas núpcias com o comandante João Miguel dos Santos Rosa (1857-1919), cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul.

Entre 7 e 16 de Maio de 1902, Fernando Pessoa, então com treze anos de idade, permaneceu na ilha Terceira pela primeira e única vez. Acompanhava-o sua mãe, seu padrasto e sua irmã, Ana Luísa Pinheiro Nogueira. Foram acolhidos em casa dos tios de Maria Madalena, sita na Rua da Palha, nº 30, onde se afixa uma placa evocativa da passagem de Pessoa por Angra do Heroísmo nos seguintes termos:

     RESIDÊNCIA TEMPORÁRIA

EM MAIO DE 1902
            DO INSIGNE POETA

FERNANDO PESSOA

ORIUNDO DESTA CIDADE

PELO LADO MATERNO




Fernando era, então, um mocinho espigadote, franzino, retraído e envergonhado.  Iniciara-se na escrita com apenas 6 anos de idade, elaborando pequenos jornais domésticos e artesanais (a um deles deu o título de A Palavra), e já havia criado o primeiro heterónimo: Chevalier de Pas.

Não se sabe ao certo se ele já poetava em 1902 aquando da sua estada na Terceira. Julga-se que terá redigido em Angra um poema hoje conhecido com o título “Quando ela passa”, que segundo alguns estará relacionado com a morte, um ano antes, de uma outra irmã – Madalena Henriqueta, em Durban, vítima de meningite com apenas dois anos de idade.

O que se sabe é que a viagem de Pessoa à Terceira ficou marcada pelos laços afetivos que ele criou com a tia Ana Luísa Pinheiro Nogueira (a quem chamava Tia Anica) e com o primo Mário Nogueira de Freitas, com quem manteve uma relação de amizade por toda a vida.

Há também a certeza de que, em 1904, o jovem Fernando António, educado numa escola católica irlandesa em Durban e fortemente influenciado pela literatura inglesa, escreveu os seus primeiros poemas na língua de Shakespeare, sob o pseudónimo de Alexander Search, através do qual envia cartas a si mesmo.

A complexidade do seu ser levou-o a desdobrar-se noutras personalidades poéticas que, amiúde, intervinham no seu mundo interior. Estava dado o mote para os famosos heterónimos que lhe trouxeram projeção literária a nível mundial:  Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Soares, entre muitos outros (são cerca de 70!).

A partir de 1905 este enormíssimo poeta fixa residência em Lisboa até ao fim dos seus dias.

Infelizmente não existem registos fotográficos do menino Fernando Pessoa na “ilha lilás”. Imagino-o sentado numa banqueta do Pátio da Alfândega a contemplar a baía de Angra. Ou a passear-se, vestido de marujinho, com calção até ao joelho, no Jardim Público. Ou a descer a Rua da Sé a pensar em tudo o que não era a Rua da Sé…

 

Victor Rui Dores







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