Erros, lapsos e equívocos de Raúl
Brandão
em As Ilhas Desconhecidas
As Ilhas Desconhecidas, Notas e
Paisagens (1927), de Raul Brandão, é por muitos
classificado como um dos melhores livros de viagens de todos os tempos.
A obra resulta das impressões de uma
viagem que Raul Brandão, por sua própria iniciativa e acompanhado da esposa,
Maria Angelina Brandão, realizou aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, entre
8 de junho e 29 de agosto de 1924.
Por conseguinte, ele visitou os Açores
durante 3 meses, tendo permanecido duas semanas na ilha do Corvo, “com olhos de
ver e ouvidos de escutar”. E só não desembarcou nas ilhas de Santa Maria e
Graciosa devido a uma greve de marítimos.
Brandão, então com 57 anos de idade,
era um escritor consagrado, sendo que dois anos antes, o seu livro Os
Pescadores tinha obtido grande sucesso editorial, com 15.000 exemplares
vendidos em 3 anos.
Por mero acaso, Vitorino Nemésio, na
altura estudante universitário de Coimbra, foi seu companheiro de viagem entre
Lisboa e a ilha Terceira, a bordo do navio “San Miguel”, espiando-lhe “os
movimentos e os 8 cadernos de apontamentos de capa preta”. Nemésio descreve
Brandão como um homem modesto, bondoso e humilde, apesar da sua alta estatura
do seu “vulto pernalta e do seu porte esgrouviado, senhor que era de uns
imensos olhos azuis”. Para Raul Brandão, os Açores eram “ilhas desconhecidas”;
para Nemésio, os Açores eram ilhas revisitadas. Estávamos em 1924 e, 8 anos
depois, Nemésio viria a criar o conceito da açorianidade.
Raul Brandão ficou deveras encantado
com as ilhas, extasiado com suas paisagens e fascinado com o modo de viver das
suas gentes. Numa escrita assombrosa, ele (d)escreve, da maneira mais
contemplativa, impressionista e com grande humanidade, o que viu e sentiu
durante a sua viagem.
Dissecador de almas, o escritor de Os
Pobres e Húmus viu, na “medonha solidão” do Corvo e nas “convulsões
vulcânicas” das ilhas, “a dor do mundo” e o sofrimento humano, tema que
perpassa toda a sua obra.
Logo no primeiro capítulo do livro As
Ilhas Desconhecidas, Brandão deixa o conforto do camarote onde viajava, e
desce à casa das máquinas do navio “San Miguel” e fica
impressionadíssimo com o trabalho quase escravo dos fogueiros, (a lenha,
o fogo, a fornalha) e diz qua aquela gente vive no Inferno, enquanto, cá em
cima, os passageiros estão no Hotel Francfort.
Raul Brandão, que também era pintor
(“delicado aguarelista”, “pintor de ambientes”, “colorista fulgurante”, assim o
adjetivaram alguns críticos), captou, de forma extraordinária, a luz e a cor
das ilhas, escrevendo que no Continente a luz é mais forte que a cor; nas ilhas
é a cor que mais impressiona.
Os capítulos que Brandão dedica às
ilhas do Corvo, Flores e Pico valem por toda uma literatura. Resultado: As
Ilhas Desconhecidas é não só um livro importante para a compreensão da
especificidade e identidade açorianas, como é também uma das obras mais belas
que já se escreveu sobre os Açores.
E como
ninguém é perfeito, Raúl Brandão, crédulo, ingénuo e nem sempre bem informado
sobre os Açores, comete vários erros, lapsos e equívocos na obra em análise:
1.
No
capítulo De Lisboa ao Corvo, o autor equivoca-se: foi a ilha de Porto
Santo que recebia água da Madeira, e não trazida em navios da ilha de São
Miguel.
2.
No
referido capítulo denomina, por duas vezes, “ilha das Cabras” ao ilhéu das Cabras
(ilha Terceira).
3.
Erradamente
escreve “juiz de fora”, quando deveria ter escrito juiz de paz, já que o
Corvo nunca foi comarca, mas apenas um julgado de paz.
4.
No capítulo A Floresta Adormecida
escreve “teiró” em vez de queiró (planta endémica).
5.
Naquele mesmo capítulo denomina de “Pico de
sete rios” ao Pico de sete pés (Flores).
6.
No
capítulo A ilha Azul dá o nome de “roca-de-hércules” à flor que nas
ilhas tem outras denominações: roca, ou roca de velha (Terceira,
Faial, Pico) cana-roca (Flores), conteira (São Miguel), palmito
(Graciosa).
7.
No
capítulo O Pico escreve que o Pico é a maior ilha dos Açores. Errado: é
a ilha de São Miguel.
8.
No
capítulo O Atlântico Açoriano denomina “gruta dos Enxaréus” à Furna
dos Enxaréus.
9.
Naquele mesmo capítulo chama de “gudião” ao
peixe bodião.
10. Nesse mesmo capítulo escreve erradamente
“passaroca” em vez de passarouca à ave que é assim conhecida nas Flores
e que, nas outras ilhas, é denominada de garça, aguareira e, nas ilhas do Faial
e Pico, ganhoa.
11. É também neste capítulo que fala de icebergues
“que vêm muitas vezes até distâncias relativamente curtas das Flores”.
Icebergues nos mares dos Açores?!... (Esta passou despercebida a Pedro da
Silveira no prefácio e notas que escreveu para As Ilhas Desconhecidas
(Perspectivas & Realidades, 1988).
12. No capítulo Visão da Madeira escreve
“semelhe” em vez de semilha (batata).
Já agora: num artigo que em 1909 Brandão escreveu sobre a ilha do Corvo (e
que estava inédito e foi desenterrado pelo investigador Vasco Rosa), atribui
erradamente ao Corvo a batalha da Salga, que, como se sabe, ocorreu na ilha
Terceira (o gado bravo que dizimou quase um milhar de espanhóis, testemunhado e
descrito por Lope de la Vega).
Uma coisa é certa: 100 anos após a sua publicação, As Ilhas
Desconhecidas continua a ser um livro singular sobre os Açores. É verdade
que as ilhas açorianas deixaram de ser esquecidas, mas lamentavelmente não
deixaram ainda de ser desconhecidas...
Victor Rui Dores


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